noticia-2No Fundão há 20 anos, pesquisador produz, em laboratório, membranas sintéticas ou orgânicas de vários usos, capazes de resolver falta da água

Por Pedro Motta Gueiros

“Estou há 20 anos na UFRJ, onde me formei doutor em estudos sobre membranas que agem como barreiras seletivas. Nós a produzimos e projetamos seus usos, da dessalinização da água à reprodução da função dos rins. Em vez de disputar água de mananciais com o povo, você pode pegar do mar e levar para a indústria”

Conte algo que não sei.

Há um tipo de membrana produzida em laboratório capaz de recuperar um nervo seccionado e ajudar na recuperação de movimentos. Além de funcionar como guia para as extremidades rompidas se encontrarem, ela tem uma porosidade que impede a entrada de células que podem atrapalhar o processo. Como o material é biodegradável, a membrana desaparece depois que o nervo se regenera. Em parceria com o pessoal da medicina, já estamos testando isso em ratos com sucesso, e pensando em patente.

Fale de outros tipos e aplicações das membranas.

Feitas de polímeros e outras substâncias, sintéticas ou orgânicas, algumas atuam na migração natural da água do rio para o mar. Se você impede a passagem de sal, aumenta a pressão da água salgada, capaz de girar uma turbina e gerar eletricidade. A diferença de pressão gerada é equivalente a uma altura de 220 metros. A gente pode usar membrana pra produzir energia azul.

Azul por causa da água?

Azul porque não tem impacto ambiental. Na energia verde, a queima do álcool ou do biodiesel dissipa CO2, que a natureza depois absorve. No encontro do rio com o mar, você aproveita uma energia que está se dissipando naturalmente. Só há no mundo o protótipo de usina na Noruega.

Trabalhar no “fundão” da Baía de Guanabara traz alento ou resignação diante da força purificadora das membranas?

Sou otimista, mas com política de governo e planejamento. Hoje, peixes ressurgem por conta do controle dos efluentes que vêm à Baía. Outro caminho é tratar e reusar a água em vez de jogar fora e pegá-la mais suja. A chance de reúso doméstico e industrial é total.

É uma questão de altruísmo ou de finanças?

O órgão mais sensível do homem é o bolso. Reúso e purificação da água dão retorno. Em Israel, por uma questão de sobrevivência, 70% da água são de reúso. Talvez a gente chegue numa situação parecida...

O processo de purificação é mais físico que químico?

Não tem pozinho de pirlimpimpim. Você tem que controlar o movimento das moléculas, deixando passar e cuidando de reter aquilo que deseja.

Até onde vai a separação das partículas?

O limite é econômico. Separar o sal da água do mar é econômico, custa R$ 2 para produzir mil litros. A gente gasta muito mais na conta. Em locais com problemas de água, como Niterói, estão cobrando R$ 20. São Paulo já passou disso.

A ciência tem solução permanente para a falta de água?

Água não vai faltar. Vai ficar cara. No Nordeste nunca faltou água, tem muita no subsolo, mas é salobra. Há mil e tantos dessalinizadores em comunidades, só que falta planejamento: o sujeito instala, vai embora, o negócio quebra e não tem ninguém para operar. A África não tem água porque não tem sistema de tratamento. Morrem de sede, e o mundo se lixa.

Igual o ebola, só há preocupação quando chega à Europa e aos EUA...

Ebola é doença de pobre, ninguém pesquisa doença de pobre. A água é a mesma coisa. Os EUA lançaram plano de purificação de água em 1950. Precisamos de política governamental e planejamento. Se hoje está faltando água em São Paulo, amanhã será no Rio.

Como lidar com a impureza do homem?

Vivemos em sociedades individualistas. Quando você não se importa com quem está do lado, ou se acostuma com a miséria alheia, acaba se transformando num poluente. Como separar isso? Só humanizando mais ainda a Humanidade.

FonteO Globo

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